Cineclube

No dia de finados, não iremos ao cemitério, não levaremos flores, não rezaremos e não choraremos a morte. Realizaremos o nosso ritual pagão. É debaixo da tempestade que se anuncia que celebraremos o cinema nosso de cada dia, bebendo e debatendo o que foi e ainda é forte. É nesse clima que o Cineclube Cinema em Revista realiza a 6ª sessão do ciclo cine-demência e exibe 7 curtas-metragens, numa tentativa cabalística de reafirmar a força de um cinema paulista que sabe ser vivo.

"SOBRE MEDEIA”, de Paloma Neves

"Primeiramente eu preciso desculpar-me pela falta de conhecimentos específicos para criar uma análise que seja capaz de refletir, sem reduzir, sua proposta visual em Medeia. Elogiar apenas o traço é um sacrilégio. Eu gosto muita da forma como você constrói as imagens, eu já via alguns de seus outros desenhos e a beleza do seu não está só no Medeia...



A primeira consideração a ser feita está na característica da composição quadro a quadro: O RECORTE CINEMATOGRÁFICO. Cada “quadrinho” traz os recursos técnicos da câmera e, aqui, infelizmente eu não tenho um vocabulário técnico da direção de fotografia que dê conta de explicar as elipses cinematográficas de aproximação do zoom da câmera, aproximação ao detalhe (aquela coisa do “plano americano”, “semi-perfil”, “plano geral”, “close”, etc). Seus “quadrinhos” se comportam assim, formam um plano sequência... E esse recurso é admiravelmente belo.

O segundo ponto está na sábia escolha em abolir as convencionais caixas de texto. Peço desculpas por não ser expert na linguagem HQ e, principalmente, pela minha ignorância de não saber se existe, por exemplo, uma vanguarda de quadrinistas que façam uso deste recurso. Mas foi a primeira vez em que meus olhos se deparavam com essa falta de “deixas”, com essa ausência de relação que a narrativa construída através das palavras traz.

Aliás, eu gostei tanto deste recurso, que só consigo pensar que o “balãozinho” das HQ’s são uma forma de ultrajar as competências de raciocínio do leitor... O texto na história em quadrinho se torna, agora, um recurso extremamente pedagógico, um facilitador, algo que reduz a obra e também o leitor. Um recurso desnecessário.

E essa relação que você constrói, Mari, exige boa vontade do seu interlocutor. O cara tem que estar a fim de pensar. E de pensar muito! Você abre uma porta em que o leitor ganha certa autonomia em relação à narrativa. Não dar a história, e as suas intenções enquanto autora, assim de bandeja, enriquece o seu trabalho, te dá o tonos do gesto artístico e exalta a capacidade de apreensão do seu leitor. (Aproxima sua obra às questões duchampianas...).


E abolindo o texto você dá às imagens o valor que elas merecem ter! (E aqui, falando sério, você entra em sintonia com muitas questões tenho lidado lá em H.A. Principalmente em relação à briga com o Academicismo Ocidental, que desde Platão, se faz racional, e recusa as imagens; que dá à imagem uma condição de inferioridade quanto à palavra escrita). Sua opção de não usar as palavras te faz transgressora também neste sentido.

Por sermos ocidentais, aí a dificuldade (e recusa de alguns) para construir e entender a narrativa composta por imagens. Porque análise de imagens é sempre muito difícil... Vide o fato de eu frequentar um curso superior e dedicar quatro anos para aprender a fazer isso. Análise de imagens exige repertório: o sujeito precisa acessar conhecimentos que estão além das imagens.

E você arma majestosamente uma cascata de significâncias! Para ler a sua Medeia, Mari, é preciso a Medeia de Eurípedes (o mito grego), conhecer algumas premissas da sociedade grega do séc. V a.C., conhecer algumas diretrizes do gênero trágico, conhecer algumas regras do decoro acadêmico (da construção da imagem, do código gestual da história da arte), é preciso conhecer a tropa de choque e as situações de reintegração de posse...

Não ter lido a Medeia de Eurípedes me deixou “pelada na chuva” na hora de me relacionar com a sua Medeia. O caso do mito da Medeia é justamente a tragédia que eu comi pelas beiradas... Conheço o enredo, li análises sobre a tragédia grega, nunca assisti nenhuma montagem fidedigna, só vi, por exemplo, o Gota d’Água do Chico Buarque... Não assiste quase nenhuma das várias produções cinematográficas de (só vi a Medeia de Lars Von Trier). E, felizmente, assisti aulas do Toscano sobre Medeia (história do teatro/ELT).

Seu trabalho nesta obra, explicitamente, se relaciona com a montagem do Sáfaro. Montagem que eu não vi.



Essa enxurrada de coisas dificultava minha compreensão da linearidade do discurso narrativo. Como percorrer os quadrinhos e leva-los de encontro ao enredo do mito? Como reconhecer nos desenhos a Medeia de dois mil e quinhentos anos atrás? Como relacionar as informações seculares com as questões do sujeito comum do séc. XXI?

Confesso que vi e revi seus quadrinhos, trilhei inúmeras linhas, fui e voltei e demorei muito para entender a segunda parte. Até a página com a cena do nascimento dos filhos de Medeia e Jasão, a leitura ia bem, depois disso eu me perdia entre “o quê?”, “onde?”, “quando?” e “quem?”.Mas isso ocorria pela minha falta de conhecimentos sobre o mito grego. No dia seguinte ao primeiro contato com a sua Medeia, consegui entender o final. 

E neste lance de dados, é fundamental e informação “Medeia e a chegada do discurso do terrorismo no Brasil”. Sua HQ me fez entender o quão brilhante foi a escolha, justamente, de aproximação da Medeia com a questão do terrorismo.

A relação não linear do tempo na narrativa torna o entendimento da trama mais dificultado. E essa dificuldade é o que há de mais bonito. Eu adorei os black-outs que você traz com as páginas negras, que penso eu, se relacionam, possivelmente, com o percurso narrativo que foi construído na peça do Sáfaro. A página “pixelada”, que a princípio me dava a noção de “vertigem”/ de “estado de transe” da Medeia (personagem), e que só depois me apresentou uma mira (tipo atirador de elite), é sensacional...




Gosto muito da sobreposição de imagens que você compõe ao diagramar as páginas (como ocorre na página do “bifão” com os cortes de carne ou na página com os olhos angustiados das figuras que levaram seu ancião para o “ritual de rejuvenescimento”). Essa cascata de imagens obriga um divertido exercício de Gestalt.

Sua escolha de construção narrativa, que subverte a linearidade temporal (começo/ meio/ fim) somada à forma cinematográfica da sequência torna sua HQ altamente vertiginosa e plena de soluções requintadas.


É preciso estar a fim de fricção. Sua HQ traz uma narrativa aberta. Sua Medeia é máquina desejante, ela dialoga com Jean Baudrillard e a noção de contemporaneidade. Sua HQ é uma obra de arte!"

Carta de Paloma Neves, 17/08/2014.

[Fotos] Lançamento Medeia, de Mariana Waechter

No dia 15 de agosto, aconteceu na Monkix o lançamento da HQ Medeia, de Mariana Waechter, resultado do processo inciado em 2012 dentro do coletivo Sáfaro.


Em 2012, o coletivo Sáfaro, com o apoio do CCJ,  realizou Medeia, um processo de investigação artística sobre a construção da imagem-conceito de terrorismo no Brasil, tendo como plataforma o texto homônimo de Eurípides.

Mariana Waechter acompanhou todo o processo e produziu esta HQ, ampliada e publicada como livro em 2014.

Por enquanto, a edição encontra-se a venda na livraria Monkix ou diretamente com a autora pelo email mari.waechter@gmail.com

Fotos: Ronaldo Dimer

Debate #1 - Guerra Urbana

No último sábado ocorreu o primeiro debate do ciclo Helena na EE Pedro Alexandrino. E tem mais quatro vindo por aí.

Com a mediação de Gustavo Motta, Caio Castor e Marcos Barreira discutiram os desdobramentos sociais e culturais da militarização do espaço urbano e do estado de exceção contínuo que se instalou nas grandes cidades e no sistema político em geral.

Logo postaremos o vídeo na íntegra do debate!









Helena - Debate #1: Guerra Urbana

Neste sábado ocorrerá o primeiro de um ciclo de cinco debates, parte do projeto Helena.
Guerra Urbana será o tema debatido por Marcos Barreira, Clara Ianni e Caio Castor, com mediação de Gustavo Motta.
Dia 16 de agosto, às 18h, na EE Pedro Alexandrino.
Estão todxs convidadíssimxs!



Lançamento da HQ MEDEIA, de Mariana Waechter

Em 2012, o coletivo Sáfaro, com o apoio do CCJ,  realizou Medeia, um processo de investigação artística sobre a construção da imagem-conceito de terrorismo no Brasil, tendo como plataforma o texto homônimo de Eurípides.
Mariana Waechter acompanhou todo o processo e produziu a hq MEDEIA, a partir de suas investigações do tema, do processo coletivo e do mito.

É com orgulho e comemoração que o Sáfaro convida a todos para o lançamento de MEDEIA, que está incrível!
É no dia 15 de agosto, a partir das 19h na Monkix!


Núcleo de Estudos Cinematográficos e Núcleo de Criação Performática

Em 30 de agosto terão início dois núcleos de pesquisa e criação, gratuitos e abertos ao público maior de 14 anos. O Núcleo de Estudos Cinematográficos e o Núcleo de Criação Performática serão sediados na EE Pedro Alexandrino, somando-se às diversas ações que já são realizadas na escola de maneira independente por estudantes e professores desde o ano passado.

O coletivo Sáfaro coordenará os dois núcleos, que também contarão com a participação de artistas convidados.

No Núcleo de Estudos Cinematográficos, o objetivo é criar um espaço de pesquisa, criação e produção audiovisual na região, a partir de onde se possa repensar as formas estéticas e os modos de produção cinematográfica na prática. O núcleo será coordenado por Ronaldo Dimer, integrante do Sáfaro.

O Núcleo de Criação Performática, coordenado por Leonardo França, será voltado para experimentação da performance como dispositivo de investigação e recriação da realidade.

Os encontros de ambos os núcleos ocorrerão aos sábados, das 13h às 16h.

Para se inscrever é necessário preencher o formulário de inscrição abaixo.

Núcleo de Criação Performática
https://docs.google.com/forms/d/1AOKCo1CozkFLqXIOJN1euuSfCod9pbZir5jxbeesIGs/viewform

Núcleo de Estudos Cinematográficos
https://docs.google.com/forms/d/1kzglk7OrWxeOWmcKbT-Qqkc_oh7Xo7Nw-Irm6L6zrlg/viewform

Início: 30 de Agosto de 2014.
Horário: das 13h às 16h.
EE Pedro Alexandrino
Rua Imbiras, nº 49 - Vila Nova Mazzei - São Paulo



Ovni-Drone (Imagens Não-Tripuladas)



Vídeo (em processo) realizado no segundo intercâmbio entre o coletivo Sáfaro e o artista convidado Deyson Gilbert. Processo Helena/Sáfaro. 2014.

Intercâmbio #2 - com Deyson Gilbert

Começamos hoje o segundo intercâmbio com o artista plástico Deyson Gilbert, com a primeira reunião em seu ateliê. O início de um mês de criação coletiva tendo por plataforma o texto Helena e a experiência da guerra. Em breve mais notícias.









Intercâmbio #1 - com Vinicius Andrade

Chegamos ao fim do primeiro mês de intercâmbio com o excepcional Vinicius Andrade. Foram 14 encontros, além de vários dias de produção e criação conjunta. Em breve serão apresentados os materiais resultantes deste processo. Fiquem atentos!
Agradecemos ao Vinicius por essa caminhada curta porém intensa. E vamos repetir a dose, mais 5 vezes. Agora com Deyson Gilbert. Em seguida Ieltxu Martinez. E assim vai.



Projeto Helena


Em 2014, o projeto Helena, do coletivo Sáfaro, foi contemplado pelo Programa VAI - Programa de Valorização de Iniciativas Culturais da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, na modalidade II.

O projeto prevê a realização de seis intercâmbios com artistas convidados, com duração de um mês cada. Nesses intercâmbios, tendo como plataforma de criação o texto Helena, de Eurípides, o Sáfaro se reúne com cada um dos artistas para criar uma série de ações artísticas no sentido de investigar as formas da guerra contemporânea.

O primeiro artista convidado é o professor de Língua Portuguesa e Inglesa da Rede Pública Estadual e escritor Vinícius de Andrade, que participa do intercâmbio de 01 de junho a 29 de junho.

Em seguida, Deyson Gilbert, artista plástico, se junta ao coletivo de 30 de junho a 28 de julho.

De 29 de julho a 26 de agosto, Ieltxu Martinez Ortueta, ator, performer, designer gráfico e artista orientador do Vocacional Teatro, tem sua vez.

Logo após, de 27 de agosto a 24 de setembro, Caio Castor, do projeto Comboio e do Movimento Organizado Moinho Vivo.

Cris Amorim é a quinta artista convidada, e nos acompanha de 25 de setembro a 30 de outubro.

O coletivo Cinefusão fecha o ciclo de intercâmbios, de 31 de outubro a 28 de novembro.

Além dos seis intercâmbios, estão previstos 5 debates públicos com artistas e pesquisadores convidados, uma oficina de Cinema e outra de Performance, e a publicação da hq Medeia, de Mariana Waechter.

As atividades acontecerão em geral, na Escola Estadual Pedro Alexandrino, na Vila Nova Mazzei -ZN.

Helena

Existem inúmeras e inomináveis formas de violência. A sociedade tende a conceituar algumas dessas formas para entendê-las, explicá-las, aceitá-las ou justificá-las. Em Medeia, abordamos o processo de construção de imagens relacionadas ao terrorismo, os processos sociais, culturais, midiáticos e políticos que acabam por edificá-lo enquanto conceito de violência. Em Helena, é a experiência da guerra e suas descrições sociais que serão abordadas; como a imagem da guerra é construída, disseminada, consumida, glamourizada, gameficada e reelaborada de acordo com os interesses dos diversos setores e classes sociais? A ideia de guerra nos surge com um conceito catalisador para várias formas de violência administrada, cada vez mais presentes na vida urbana, e que necessitam de uma eficiente estrutura de disseminação social que a justifique.

Em Helena, o coletivo Sáfaro dá continuidade à investigação iniciada em Medeia, no sentido de perceber e elaborar esteticamente as contradições destes processos, evidenciar seus interstícios, seus sujeitos, colocá-los em debate público através da criação artística.

Helena de Eurípides


Em Helena, Eurípides aborda uma versão menos conhecida da rainha espartana, eleita para sua sorte ou malogro a mais bela das mulheres sobre a terra. Em textos anteriores, como Hécuba e As Troianas, o autor trata a figura de Helena a partir da perspectiva mais tradicional e conhecida do mito, como uma mulher fútil e de moral fraca, deslumbrada com o poder de sua própria beleza, que é levada para Tróia e se torna o motivo da sangrenta e longa guerra entre gregos e troianos. Neste texto, quase do fim de sua vida, o autor, no entanto, nos mostra uma versão quase apócrifa do mito, que refaz a figura de Helena trazendo maior profundidade à personagem e colocando em discussão os motivos reais da guerra.

Em Helena, a protagonista é levada em segredo por intervenção divina (de Hera, esposa de Zeus) para o Egito, enquanto em seu lugar um eidolon (imagem falsa, ilusão, puro semblante) é levado à Tróia, causando todos os conflitos conhecidos da Guerra. Helena passa vinte anos no Egito, sob proteção do rei Proteu, quando então chega à costa um navio naufragado. Trata-se de Menelau, seu esposo, que passou oito anos vagando pelo Mediterrâneo sem que os ventos o favorecessem a voltar à Grécia. Junto a Menelau está o eidolon de Helena, resgatado na vitória sobre Tróia. Ao encontrar a Helena "verdadeira", Menelau recebe a notícia de que o eidolon desapareceu, dissipando-se no ar enquanto seus soldados o protegiam na praia.

Os dois, Menelau e Helena, ao se reconhecerem, percebem o imenso engano que havia sido a guerra contra Tróia, e tentam extrair o sentido de tal manipulação, sem sucesso. Logo, decidem retornar a Esparta o quanto antes, mas o novo rei do Egito, filho de Proteu falecido, deseja casar-se com Helena e matará Menelau assim que souber de sua presença. Helena antecipa-se e informa ao rei que seu marido chegou náufrago e morto à praia, e que para que esteja livre para casar novamente precisa sepultar o corpo de acordo com a tradição grega: aquele que morre no mar deve ser sepultado no mar. Com isso, Helena recebe a embarcação e segue para o mar, encenando a cerimônia fúnebre do marido, que logo se revela e com a ajuda de seus soldados toma a embarcação e segue para a Grécia.

A peculiaridade desta tragédia está em que o momento trágico não é a catástrofe para o herói trágico; pelo contrário, Helena e Menelau vivenciam um final relativamente feliz na peça. O trágico o é principalmente para o público, que vê no reencontro do casal o vazio de sentido da experiência da guerra. Se Helena era o motivo alegado da guerra contra Tróia, mas se também não era realmente ela quem estava lá, qual terá sido então o sentido real da guerra? Qual o intuito divino por trás de tal manipulação? A imagem de Menelau, rei de Esparta, chegando náufrago e maltrapilho na praia reforça uma das idéias centrais de algumas peças de Eurípides, de que na guerra mesmo os vitoriosos saem derrotados. No contexto em que foi apresentada originalmente, em Atenas há mais de 2400 anos, a peça adquire um tom pacifista em face dos conflitos entre as cidades-Estado gregas.

Em nosso projeto, no entanto, o texto surge como uma plataforma para a criação dos mais diversos materiais artísticos, através do qual tentaremos elaborar uma discussão sobre a midiatização da violência, a militarização da sociedade contemporânea e a violência urbana do ponto de vista de classes.